Fonte Por g1 SP — São Paulo
A Justiça Federal decidiu nesta quinta-feira (5) que autoridades policiais não poderão realizar a devolução de três grupos de pessoas que estão no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, solicitando refúgio, aos seus países de origem até nova manifestação do Judiciário.
A decisão atendeu a habeas corpus da Defensoria Pública da União (DPU) que pedia a proibição de devolução desses imigrantes e que eles tenham acesso ao direito legal de requerer refúgio.
Na decisão, a Justiça Federal determinou que estas pessoas deverão permanecer sob custódia da Polícia Federal em área de fiscalização e segurança do aeroporto. A DPU continua realizando visitas periódicas ao aeroporto.
Em 26 de agosto, o Brasil mudou regras de acolhimento de imigrantes sem visto de entrada que pedem refúgio. A Polícia Federal pode barrar os passageiros vindos de voos que têm outros países como destino final.
Morte de imigrante
Evans Osei Wusu, de 39 anos, fazia parte do grupo que estava retido no Aeroporto Internacional de SP — Foto: Arquivo Pessoal
Essa decisão ocorre após o g1 divulgar que a família de Evans Osei Wusu, de 39 anos, que morreu após passar mal enquanto estava retido no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, à espera de refúgio, afirmou que ele tentou pedir ajuda e foi enterrado no Brasil sem autorização dos parentes, que são de Gana.
A família descobriu que o corpo de Evans está sepultado no cemitério municipal de Guarulhos e pede justiça.
Ao g1, uma prima de Evans, Priscilla Osei Wusu, explicou que ele chegou ao aeroporto em 4 de agosto, depois de ter sido deportado do México em 2 de agosto. Segundo ela, Evans havia embarcado em Gana e deveria fazer uma cirurgia na coluna em território mexicano.
"Não sei o motivo de ele não ter conseguido entrar no México. Até o médico que deveria operá-lo conversou com a imigração e pediu que o acompanhassem ao hospital. Nós até pagamos o hotel dele naquela noite. [Evans] Voltou para São Paulo e ficou retido após pedir refúgio para ir a um hospital. Ele queria que as autoridades [brasileiras] o mandassem [de volta] para lá", disse Priscilla.
A rota original previa que, após a cirurgia, Evans deveria pegar um voo que fizesse conexões no Brasil e no Catar antes de, finalmente, retornar a Gana. Mas, ao chegar a Guarulhos, ele decidiu tentar entrar em território brasileiro para ser encaminhado a um hospital daqui. Segundo a família, Evans disse que não teria condições de saúde para retornar ao seu país sem ser atendido.
Priscilla relata que, na segunda semana de agosto, ainda retido no terminal de Guarulhos, o primo passou a encaminhar mensagens a um tio informando que estava com muita dor e precisava ir ao hospital urgentemente. Ele afirmou também que só foi atendido após outros imigrantes terem se manifestado para que houvesse algum auxílio.
O g1 teve acesso a essas mensagens (veja abaixo). Em um áudio, Evans reclamou que estava sentindo uma dor no peito e que não entendiam o que ele estava falando.
"Preciso urgentemente de sua ajuda. Estou com uma dor insuportável na coluna, viajei de Gana para o México para fazer uma cirurgia, mas infelizmente não fui internado, não sei o motivo. Estou humildemente solicitando uma cirurgia urgente na coluna aqui no Brasil, tenho dinheiro para pagar. Não posso viajar com segurança de volta para Gana por causa da minha condição", afirmou ele.
E complementou: "Paguei por uma passagem de classe executiva de Gana para o México porque a econômica não era segura para mim. Meu retorno é em classe econômica porque sei que estarei forte e saudável após a cirurgia. Minha situação agora não me permitiria voar com segurança na econômica para Gana e minha dor está ficando insuportável. Por favor, me ajude a marcar uma consulta aqui no Brasil para minha cirurgia na coluna. Obrigado. É isso que devo apresentar a eles".
A certidão de óbito de Evans, à qual o g1 teve acesso, aponta que o ganense morreu de infecção generalizada, após um quadro inicial de infecção urinária. Como endereço, aparece apenas "Aeroporto de Guarulhos". Evans foi enterrado no Cemitério Necrópole do Campo Santo, que é municipal.
Daniel Perseguim, do Fórum Internacional Fronteira Cruzadas, acompanha o caso com a família de Evans e autoridades. Na terça-feira (4), houve uma reunião sobre o caso na Assembleia Legislativa do Estado de SP (Alesp) com um representante do Ministério dos Direitos Humanos. "Estamos tentando entender o que houve e dar uma reposta para a família. Como sociedade precisamos ter uma resposta", disse Perseguim.
Conforme o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a morte do imigrante foi registrada em 13 de agosto no Hospital Geral de Guarulhos. No entanto, a família alega que enterraram o corpo sem que a Embaixada de Gana e os parentes de Evans fossem avisados.
Mensagem enviada por imigrante Evans para a família — Foto: Arquivo Pessoal
Inicialmente, a Prefeitura de Guarulhos disse que não tinha informações sobre o caso. Já na segunda nota enviada ao g1, a gestão municipal informou que "atuou somente como contratada para realizar o sepultamento do sr. Evans Osei Wusu pelo Hospital Geral de Guarulhos, que é estadual".
"Diante do estado de deterioração do corpo e da falta de retorno da família à respectiva embaixada, providenciou toda a documentação para o enterro, por sua vez liberado pelo IML, também sob responsabilidade do governo estadual", afirmou o texto.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que "não cabia à Senajus [Secretaria Nacional de Justiça] o atendimento ou o acompanhamento da assistência ao migrante de Gana. A Senajus não foi comunicada sobre a situação do viajante" (veja nota completa abaixo).
Também em nota, a Defensoria Pública da União (DPU) informou que está acompanhando o caso.
"A DPU mantém contato com a família da vítima, ressaltando que os dados e o andamento do caso estão protegidos por sigilo e confidencialidade. Adicionalmente, a DPU atua de forma estrutural no acompanhamento da situação, avaliando eventual responsabilização civil do Estado brasileiro e das empresas envolvidas no tratamento dispensado aos migrantes no citado aeroporto", diz o comunicado
A Secretaria da Saúde estadual informou, também em nota, que "o Hospital Geral de Guarulhos, após constatar o óbito, comunicou às autoridades competentes, incluindo o Consulado e a Embaixada de Gana, para que a família do paciente fosse devidamente informada sobre o falecimento e orientada quanto aos procedimentos para o sepultamento".
"No entanto, diante da ausência de resposta após 16 dias e com o corpo apresentando sinais de deterioração, o serviço funerário municipal foi acionado, e os procedimentos necessários para garantir um enterro digno ao paciente foram adotados."
Em nota, a Polícia Federal afirmou que o "fato ocorreu quando ele ainda estava sob responsabilidade da companhia aérea, em razão do impedimento por ausência de visto para entrar no Brasil".
"E ainda que o óbito tivesse ocorrido em área restrita, a Polícia Civil possui credencial para apurar ocorrências neste local. desta feita, não há nada que atraia a atuação da União, para o fato, o que seria diferente se tivesse ocorrido a bordo de uma aeronave. Adicionalmente o óbito em decorrência de problema cardíaco, já afasta qualquer atuação criminal", diz a PF.
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