As políticas antimigratórias têm se intensificado como uma resposta aos crescentes fluxos migratórios provocados por crises globais, incluindo conflitos armados, mudanças climáticas e desigualdades econômicas. Essas políticas, muitas vezes, refletem uma visão imperialista que busca controlar e restringir o movimento de pessoas provenientes de regiões afetadas por desastres e injustiças, exacerbando as desigualdades e ignorando as responsabilidades históricas e econômicas que contribuíram para tais crises.
O Brasil, historicamente reconhecido por seu compromisso com os direitos humanos, encontra-se em uma situação paradoxal ao anunciar medidas que restringem o direito ao refúgio. Tais ações causam preocupação entre defensores de direitos humanos, pois podem sinalizar uma mudança de postura que se alinha com interesses de forças hegemônicas contrárias aos compromissos internacionais do país.
Isso é especialmente alarmante quando tais medidas são justificadas sob a alegação de combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, uma vez que políticas antimigratórias, em vez de solucionar o problema, acabam facilitando a prevalência desses crimes. O contrabando de pessoas, em particular, é um crime oportunista que se aproveita de fronteiras fechadas e de processos migratórios restritivos.
O Decreto nº 5.017/2004, que ratifica o conhecido Protocolo de Palermo, deixa claro que o enfrentamento desses crimes demanda uma abordagem holística, centrada na vítima e que vá além do mero controle de fronteiras. Diretrizes antimigratórias contrariam o Protocolo de Palermo, que destaca a importância da proteção dos direitos das vítimas. Além disso, no Brasil, tais medidas estão em desacordo com os recém-lançados Plano Nacional de Ação Contra o Contrabando de Migrantes e Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, ambos ratificados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esses documentos reafirmam a centralidade dos direitos humanos, com ênfase na proteção dos migrantes e refugiados e na não criminalização dessas populações.
Além disso, a criminalização da migração, muitas vezes promovida internacionalmente, não diferencia entre migrantes, refugiados, contrabandeados e vítimas de tráfico. Tampouco colabora para a identificação dos perpetradores de crimes contra essas populações. Isso reforça estigmas e dificulta o acesso à proteção e ao apoio necessários, fazendo com que muitas vítimas evitem buscar ajuda por medo de penalidades, como a deportação. Mulheres, crianças e adolescentes são os que mais sofrem com a truculência nas fronteiras.
A ausência de implementação de uma Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, conforme previsto no Art. 120 da Lei de Migração nº 13.445, de 2017, evidencia a inércia do governo em enfrentar de forma eficaz os desafios migratórios. O governo tem falhado em fornecer respostas institucionais que garantam a coordenação e articulação das ações setoriais executadas pelo Poder Executivo federal, em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios, além de envolver organizações da sociedade civil, organismos internacionais e entidades privadas, conforme determina a lei.
A falta de uma Política Nacional não só enfraquece o sistema de acolhimento, como também coloca em risco a vida e a dignidade de migrantes, refugiados e vítimas do tráfico de pessoas. Se as nações implementassem políticas migratórias mais acessíveis e humanitárias, facilitando a regularização e integração desses indivíduos, a necessidade de recorrer a meios irregulares não existiria.
Erguer muros físicos ou legislativos não proporciona a segurança desejada; pelo contrário, tais medidas frequentemente agravam a situação, promovendo insegurança e violação de direitos humanos. A verdadeira proteção e gestão eficaz da migração residem em abordagens inclusivas e compassivas que reconheçam a dignidade e os direitos de todos os seres humanos em movimento.
A luta contra o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes é fundamental e não deve jamais ser usada como pretexto para ações que prejudiquem migrantes e, muito menos, os refugiados. Dificultar a solicitação de refúgio fere o que há de mais sagrado no âmbito do direito internacional e é indicativo da falência da humanidade. O tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes são crimes; a migração, não. É um direito humano. E o Brasil sempre foi protagonista nessa defesa e assim deve continuar!
Sobre a autora
Graziella Rocha é doutora em Política Social pela Universidade Federal Fluminense e Diretora de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad). Ela atua há 15 anos no combate ao tráfico de pessoas e realiza ações de advocacy no Brasil e no exterior.
Fonte https://migramundo.com/politicas-antimigratorias-nao-contribuem-para-a-luta-contra-o-trafico-de-pessoas-e-o-contrabando-de-migrantes-entenda-o-porque/
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